Estrelas, para que te quero?
No dia 30 de julho li o texto crítico de Mônica Rodrigues da Costa para a peça “Pelos Ares” e, com olhos incrédulos, cheguei a uma conclusão: ela não assistiu, de fato, à peça.
Comecemos pelo seu primeiro apontamento: “O assunto é propício para ser discutido com o público infantil, mas a peça exagera na comédia e sua principal mensagem se dispersa”. O que ela quer dizer com isso? Que assuntos sérios para crianças só devem ser tratados com seriedade? A comicidade, pelo pouco que entendo de arte, é um potente detonador da reflexão. Só rimos daquilo que identificamos. E a partir do momento que nos identificamos com algo, passamos a comparar, questionar e, portanto, refletir.
Além disso, diz a crítica que “As emoções sutis são ignoradas, e que se sobressai na maioria das cenas é a concepção clichê dos personagens”. Só pra citar: o que dizer da cena em cima de um prédio (esta imagem por si só já é emocionante!) entre o adulto que sabe voar e o protagonista, na qual aquele ensina a este que podemos optar por caminhos diferentes? Ser pintor e não ser bancário, optar por não ter filhos, perder a esposa e ainda assim não perder a vontade de “voar”, ou seja, de viver. O texto e a encenação escancaram de maneira poética questões primais dos seres humanos. “Ser ou não ser”!
Quanto à afirmação de que a “concepção dos personagens é clichê”, fica patente pelo texto que a autora confunde os conceitos de clichê, estereótipo e caricatura. Clichê significa o obvio, a vala-comum. Estereótipo significa classificar, positiva ou negativamente, um determinado tipo de pessoa ou grupo a partir de padrões preconcebidos. O estereótipo da “loira burra”, por exemplo. Caricatura significa exagerar. Quem assistiu à peça percebe que os atores optaram pela caricatura, recurso artístico normalmente usado para extrair humor. Mas, que não optaram pelo estereótipo e muito menos pelo clichê. Peguemos o exemplo citado no texto, a Fada. Quando pensamos em uma fada, que imagem nos vem à cabeça? Um bela, magra, loira e meiga mulher. Na peça é representada por um ator barbudo, que fala grosso e fala fino, que desfila com classe e tem flatulências. Me pergunto: onde está o clichê? É justamente o oposto! Bom, ainda restaria uma pergunta: onde está o estereótipo? Poderíamos pensar que o ator cheio de maneirismos e trejeitos faria uma fada travesti. Mas quem vê a peça percebe que o ator não cai nessa armadilha. Ele brinca o tempo todo com essa dualidade de ser meio homem, meio mulher. Fica clara a opção da direção ao fazer uma contraposição entre a interpretação realista do menino Thomas e a representação caricata dos demais personagens. E fazer esse contraste ajuda a elucidar os conflitos que o texto teatral trás.
Cabe ainda um último ponto. Diz a crítica que “... a presença da fada para solucionar a intolerância, não funciona nesse contexto”. Aqui, fica mais nítido ainda que a autora da crítica não assistiu, de fato, ao espetáculo. A fada em nenhum momento surge com a pretensão de solucionar a problemática da peça. Muito pelo contrário, ela traz o conflito à tona no momento em que larga na mão do pequeno Thomas a dom de voar e simplesmente vai embora. A função dramática dessa fada é o contrário do que seria, normalmente, a função de uma fada comum, qual seja, ajudar a resolver o problema. E é exatamente por ser uma fada subversiva que se justifica a opção de colocar um ator homem no papel da fada. A fada desta peça não surge para encantar, surge para subverter.
O que parece é que a crítica falou sobre aquilo que ela gostaria de ter visto e não sobre aquilo que ela realmente viu. Se é que viu.
Por fim, fica aqui o meu pedido. O jornal tem todo direito de avaliar e expressar a sua opinião sobre um determinado trabalho, porém, que o faça com profissionais competentes para tanto e sem a necessidade das estrelinhas. Faça a crítica, publique com foto, mas não rotule uma obra com estrelinhas, pois isso é um julgamento subjetivo que muitas vezes não traduz o que de fato é o trabalho. O jornalista pode influenciar diretamente no andamento do mesmo, formando uma opinião muitas vezes errônea ou pautada somente em seu entendimento subjetivo sobre a obra.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
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